sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra: Equipe fala sobre desafios, estratégias e resultados alcançados na iniciativa em 2011


Em 2011, a Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra passou a ser coordenada por uma equipe de jovens negros com o objetivo de contribuir na garantia da promoção do direito humano à saúde para a população brasileira, dando visibilidade à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a implementação efetiva da Portaria nº 992/GM, de 13.5.2009 e do Estatuto da Igualdade Racial – Lei 12.288 nos estados e municípios. Neste ano, foram cerca de 90 atividades desenvolvidas por organizações em todo o Brasil.
Em entrevista ao UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, que apóia a Mobilização por meio do Programa Interagencial de Gênero, Raça e Etnia, Crisfanny Souza Soares, articuladora nacional, Juliano Pereira Gonçalves e Michely Ribeiro, apoiadores, comentaram sobre os desafios enfrentados, os aprendizados e resultados obtidos em 2011 ano em que estão à frente da iniciativa nacional.
A equipe contou ainda qual a importância da inserção da juventude negra nos espaços de tomada de decisão, as estretégias adotadas para inserir as pautas sobre saúde e de saúde da população negra na 2ª Conferência Nacional da Juventude, o SUS que a juventude deseja e sobre como as ações afirmativas e programas de incentivo à permanência no ensino superior tiveram influência positiva em suas vidas.
Confira entrevista com Crisfanny Souza Soares, Juliano Pereira Gonçalves e Michely Ribeiro:
UNFPA – No campo da formulação das políticas de saúde quais são os principais desafios para a juventude negra?
JP: A política nacional de juventude, pensada a partir da saúde, passou durante a 2ª Conferência a ganhar corpo. Nós conseguimos aprovar propostas que possibilitam refletir a juventude a partir das questões de saúde. Mas esse debate começa anteriormente. A gente teve encontro com o Conselho Nacional de Saúde tentando entrar com a temática da saúde partindo com as principais reivindicações e demandas da juventude negra, uma vez que ela é a que mais sofre, é a mais vitimizada e a mais vulnerável na sociedade.
MR: Acho que pensar, de uma formal geral, a política de saúde para adolescentes e jovens é algo muito recente. Atualmente está sendo revista a Política Nacional de Atenção Integral À Saúde de Adolescentes e Jovens, a política estará ancorada no eixo de qualidade de vida na 2ª Conferência de Políticas de Juventude. No âmbito da política de saúde de adolescentes e jovens esperamos ter algo específico para a juventude negra. Queremos que haja um investimento específico para garantir a redução dos altos índices de morbimortalidade de jovens negros e o acesso aos serviços e ações de saúde que, de uma forma geral se encontra muito deficitário. Nos Conselhos, tanto no Nacional de Saúde, quanto nos Estaduais ou Municipais, não há representação de juventude. O que dificulta que as expectativas da juventude sejam consideradas desde a formulação das políticas públicas. Somos alvo, não sujeitos. Não participamos da construção.
CSS: Nesse contexto, nosso principal desafio é enfrentar o extermínio da juventude negra. Nesse campo as políticas públicas tem sido analisadas pelo viés da segurança pública. Trazer isso para o campo da saúde é estratégico, queremos discutir a violencia como um problema de saúde pública. A Mobilização Nacional em 2011 ter sido tocada por jovens negros trata disso, incita isso. Queremos que a participação juvenil protagonize e faça suas ações, discutam saúde e incluam o jovem nessa perspectiva. Principalmente no ano que internacionalmente se comemora o Ano do Afrodescendente e o Ano da Juventude também.
MR: Eu acho bacana essa nova estratégia da juventude pensando a saúde. Isso é uma das formas de incentivar a prevenção das doenças e dos agravos, mas sobretudo, a promoção da saúde dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). A população jovem por apresentar, em tese, melhores condições de saúde acaba não participando tão ativamente ou não participando enquanto sujeito do tratamento das doenças, das ações de prevenção ou promoção de saúde desses espaços. A gente precisa repensar a participação nesses espaços e acredito que repensar a participação da juventude negra com um equipe de mobilização pró-saúde da população negra dá outro viés, com um pouco de irreverência. Mas é pensar muito mais como prevenção e promoção da saúde do que pelo do tratamento, pela reabilitação. É pensar a saúde como um direito humano.
JP: Os primeiros passos foram dados aqui na Conferência Nacional de Juventude. Nós conseguimos, por meio de uma atividade de mobilização, debater de forma intensa a temática da saúde para juventude negra. Acredito que o próximo passo é conseguir uma cadeira no Conselho Nacional de Juventude para a população negra, uma representação com o olhar, a experiência e a vivência jovem. Esse passo tem que ser dado para consolidar a política nacional de saúde. É preciso pensar a saúde a partir da perspectiva da juventude.
UNFPA – Qual estratégia adotada pela equipe de articulação da Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra na 2ª Conferência Nacional da Juventude, realizada, em Brasília?
JP: A estratégia foram construídas em uma reunião onde participaram as redes nacionais e locais que atuam na defesa do direito à saúde para a população negra e que têm responsabilidade pela Mobilização. Estávamos nos preparando para a 14ª Conferência Nacional de Saúde, foi neste momento que também construímos a estratégia para a 2ª Conferência Nacional de Políticas de Juventude.
MR: O diálogo feito para e durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde foi estruturante. Para além de apresentar a proposta e de construir juntamente, as redes negras que atuam no campo da saúde explicitaram a necessidade de uma intervenção mais consistente sobre a saúde da juventude negra. A juventude negra presente na 2ª Conferencia de Juventude definiu pela participação qualificada em diversos grupos, ampliando a nossa abrangência e conseguindo levar a temática da juventude negra para cada um desses grupos. De um forma especial também dialogar com os outros movimentos, buscando, para além de aglutinar forças, melhor conduzir os processos para a formulação e o controle social das políticas públicas.
CSS: Eu acho que o 2º Diálogo Estratégico da Juventude Negra foi importante para concentrar a juventude negra presente, discutir, pensar e elaborar questões que tiveram um alcance efetivo e fazer um ato – o ato contra o extermínio da juventude negra – que foi muito significativo. O ato aconteceu com música, tambores e, uma representação dramática das mortes: alguns jovens iam caindo representando os jovens mortos em decorrência da violência. Os corpos foram delimitados e as pessoas foram realmente se sensibilizando com a questão e foi bastante emocionante.
JP: Eu acho que o que ficou evidente, tanto no ato quanto nas reuniões preparatórias de articulação para atuação direta nos eixos de discussão, que o debate da saúde é forte, é necessário, é importante para poder corroborar com a nossa principal reivindicação: que é garantir o direito à vida da juventude negra. No ato buscamos chamar a atenção dos delegados e delegadas. Nós também pensamos que seria importante a tranversalização da saúde da população negra em todos os eixos. Nesse sentido, a equipe foi dividida e cada um ocupou espaços diferenciados. Em todos os grupos buscamos destacar as questões de saúde e o peso das mortes que assolam as familias negras. Refletimos sobre a necessidade de melhoria na qualidade do atendimento do SUS, na efetivação de políticas públicas que façam com que a juventude negra, em especial, seja compreendida como sujeito de direito e tenha o direito à vida digna e à saúde assegurados.
MP: De uma forma geral, aprovar como prioridade a questão da saúde evidenciou o desejo de fortalecimento do SUS. Isso nos coloca numa posição muito bacana diante dos outros grupos presentes que também discutem saúde. Porque nós trazemos a perspectiva de equidade. Então a juventude conseguiu construir isso no grupo de saúde: uma discussão para além desse SUS que todo mundo diz universal e igualitário, mas que contemple também o princípio de equidade e que consiga efetivar esse atendimento universalizado e qualificado, atendendo a cada um de acordo com suas necessidades.
UNFPA – Ao colocar no centro das discussões o tema juventude negra, o assunto violência ganha destaque. Como mostrar que a violência que acomete, sobretudo, homens negros jovens, também pode ser atrelada a outras questões, inclusive relacionadas a saúde pública?
CS: O grupo de direitos humanos fez uma análise considerando o período entre uma conferência e outra. Na primeira conferencia nacional, o combate ao extermínio da juventude negra foi deliberada como prioridade máxima. Nós tivemos poucos avanços nisso e nós da equipe de Mobilização entendemos que incorporar esse tema à discussão de saúde é um fortalecedor das estratégias que enfrentamento desse problema. Entendemos que é um problema que precisa de uma ação interministerial, complementar para que a gente consiga a saúde integral para a população negra e jovem.
JP: A primeira prioridade da 1ª Conferência Nacional de Juventude foi fundamental para poder fortalecer a importância de pensar a juventude a partir do discurso sobre saúde. Ao se tirar a deliberação de que existe a necessidade de controle das taxas de mortalidade da juventude – e mais ainda a juventude negra- temos a noção de que isso é fundamental para o eixo de segurança pública. É prioridade no campo da justiça, dos direitos humanos pensar e garantir a vida da juventude negra. Em especial, com a implementação imediata do Plano Nacional de Combate à Mortalidade dos Jovens Negros e Negras do Brasil.
UNFPA – Vocês três foram cotistas em universidades públicas e bolsistas do programa Brasil Afroatitude. Como as ações afirmativas e os programas de incentivo à formação e a permanência destes alunos e alunas nas universidades podem favorecer a ampliação das habilidades individuais, fortalecer a identidade e estimular a liderança de jovens negros e negras? Essas políticas fizeram diferença em suas vidas?
Os três: Siiiim!
JP: Totalmente!
CS: Sim, as políticas de ações afirmativas fizeram grande diferença
MR: As políticas de ações afirmativas e o processo inclusivo potencializam as individualidades de cada pessoa e contribuem de uma forma muito efetiva. Você dá a possibilidade desta pessoa conseguir estar e atuar em diversos cenários. Eu falo enquanto cotista da primeira turma da Universidade Federal do Paraná. Foi muito significativo ter participado de um projeto como o Brasil Afroatitude, que não apenas reuniu estudantes negros para a discussão de políticas afirmativas, racismo e prevenção de DST HIV/AIDS, mas nos trouxe também a possibilidade de construir identidade racial. Processo que potencializou não só os anseios individuais, mas também o pertencimento racial de todo aquele grupo de jovens que estavam ingressando na Universidade, no ensino Superior. Muitos eram os primeiros da família a ingressar. Isso afetou de uma forma bem significativa na minha vivência e acaba afetando com certeza a de toda uma comunidade. Não apenas de minha transformação, mas os meus vizinhos passaram a prestar vestibular, a lidar com a possibilidade de prestar vestibular pra Universidade Federal do Paraná que antes era completamente descartada. O ensino superior na comunidade que eu resido não é uma perspectiva. Quando termina o ensino médio, se termina, já ingressa no mercado de trabalho.
CS: As ações afirmativas para negros são essenciais. Elas fazem uma movimentação bem especial com relação a identidade desse sujeito. Se em algum momento ele é o rejeitado, ele é o incapaz, ele é o desmoralizado, ele é o subalterno, no outro referencial, a partir das políticas de ações afirmativas, e principalmente com o programa de cotas, a gente tem um movimento completamente contrário. Mobiliza o sujeito para fazer parte de espaços como esse, de promoção de políticas públicas, do debate social, onde ele tá agora em outro momento, onde tem o papel de contribuinte, para a formação de uma sociedade mais justa . É um movimento muito importante, funciona. E a qualidade dessa movimentação não é só para o indivíduo. Tem um rompimento muito importante quando a gente pensa sobre políticas de ações afirmativas. A gente tem que romper com essa idéia de individualidade de que o aluno é o único favorecido com esta política. De forma nenhuma e, em especial, ele é amplamente favorecido, mas essa é uma contribuição que se expande e que vai além, que beneficia a comunidade local e faz transformações também no cenário brasileiro. Nós temos o Juliano , por exemplo que não é do Paraná, que é de outro lugar, que participou do mesmo programa sobre a juventude e tem uma influência muito importante no cenário de qualificação da juventude negra, na mobilização nos outros espaços. É mais uma prova de que o programa precisa se expandir, porque foi muito efetivo.
JP: Nós três somos os resultados que as cotas para negros, que as políticas afirmativas são importantes, que fazem a diferença. Além da gente, vários outros jovens passaram pelo mesmo processo, entraram na Universidade pela reserva de vagas e demonstram no seio da sociedade brasileira como seres protagonistas. São pessoas que fazem uma orientação da sua vida do que ser quer. É uma realidade que favorece as cotas e as ações afirmativas como políticas eficazes na transformação da sociedade brasileira. É importante observar que nós, através desses programas, nós descobrimos quem nós somos. A minha realidade, não muito diferente de muitos outros cotistas, desde o primeiro contato com a universidade promoveu mudanças radicais na vida dos sujeitos. Na minha, por exemplo, que sou filho de pedreiro e de costureira e que não tinha nenhuma orientação diferente daquela que dizia respeito a ter que permanecer no subemprego, de baixa rentabilidade. Hoje já estou terminando a segunda faculdade, passei no mestrado e quero entrar no doutorado. Sei que existe um universo que pode ser conquistado e que pode ser desbravado e isso nunca tinha sido mostrado para mim. Essa é a prova cabal de que essas políticas fazem a diferença na vida das pessoas. Nós somos provas disso. Provas de que as ações afirmativas não transformam só o seu mundo pessoal, mas faz uma alteração em todo o seu ciclo de convivência. Eu descobri coisas que nunca imaginava que poderia acontecer. E aqui hoje discutindo a saúde da população negra estamos ocupando espaços estratégicos, buscando ser protagonistas da sociedade e ajudando a construir o país. Então, essa é uma realidade.
MR: Quando se fala em potencializar as individualidades. Com toda certeza não são todos os 500 beneficiados da bolsa do Brasil Afrotitude que estão em fase de intervenção ou participando de Conferências, Conselhos. Mas são pessoas que conseguem exercer sua cidadania de uma forma plena, que são bons profissionais que conseguem ter outro olhar para perspectiva de direitos e, como toda certeza, isso interfere na qualidade de vida dos seus próximos.
UNFPA – Vocês, além da Mobilização, estão buscando engajar lideranças juvenis no movimento “Jovens pelo SUS que queremos”. Que SUS os e as jovens querem? Fale um pouco mais sobre esta iniciativa e os parceiros já engajados.
CS: A iniciativa “Jovens pelo SUS que queremos” partiu de uma necessidade de que os e as jovens participem da consolidação do Sistema Único de Saúde. Desse modo, a gente entende que compromete a lógica do pensamento das políticas públicas no Brasil. Já tem um caráter participativo, mas quando a gente coloca o e a jovem no espaço de saúde a gente coloca as demandas de jovem nestes espaços. E enquanto a gente pauta a questão da doença e a carência da assistência, o jovem coloca a questão da demanda para a prevenção e promoção da saúde, não só de tratamento. Isso traz um impacto dentro do SUS e dentro do processo político também.
MR: Nós pensamos em aglutinar diversas frentes juvenis para discutir a saúde pública. Colocar o princípio de equidade como um referencial dessa discussão de juventude e saúde. Fazer com que essas pessoas que já estão em espaços políticos consigam levar o debate da saúde para dentro desses espaços. Inserir a discussão de saúde pública. E intervir de uma forma mais qualificada e elaborada. Levar as nossas demandas para o Sistema.
JP: Vale a pena ressaltar que o queremos é uma metodologia transversal que fortaleça os discursos dos jovens negros em especial pela pauta de combate ao extermínio dos jovens, a partir de elementos que consigam melhorar a saúde brasileira. Se nós tivermos um SUS melhor, se conseguirmos que o Estado cumpra com os deveres, nós certamente conseguiremos promover saúde para todas e todos e evitar as mortalidades da juventude negra brasileira. Então a inicitativa “jovens pelo SUS que queremos” nada mais é que uma metodologia que pretende transversalizar os discursos de saúde em todos os debates, em todas as demandas da juventude negra brasileira. É por isso que coletivamente que dizemos …
Os três: … JOVENS PELO SUS QUE QUEREMOS!
Agradecimentos
CS: A equipe de Mobilização agradece a todas as organizações do Brasil que articularam ações regionais e locais em prol da saúde da população negra. Sem vocês, a Mobilização não seria possível.
JP: Agradecer a todos os que se empenharam, nos quatro cantos do país, mas em especial à Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra e às redes parceiras: Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, Rede Lai Lai Apejo: População Negra e Aids…
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MP: A Rede Nacional de Promoção e Controle Social da Saúde das Lésbicas Negras (Rede Sapatá), a Rede Nacional Afro-Atitudes e à Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras
CS: Ao UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas , ao Programa Interagencial de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia e o apoio do Fundo para Alcance dos Objetivos do Milênio. E em especial a Midiã Santana, que muito tem nos auxiliado nos trabalhos da Mobilização.


Fonte:http://redesaudedapopulacaonegra.org/

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